Não chega a ser uma surpresa que um trabalho assinado pelo Rafael Grampá na DC Comics causaria um grande estardalhaço na gibisféra. O artista gaúcho que começou sua relação com o Batman sendo um dos convidados para criar uma estátua do personagem na linha “Black and White”, em 2013, assumiu outros grandes projetos na empresa posteriormente, como Cavaleiro Das Trevas: A Criança Dourada, ao lado de Frank Miller, além de títulos da saga Estado Futuro.
Sabendo disso, fica mais fácil de entender o motivo da nova minissérie do Batman Day ter sido uma das mais aguardadas e comentadas no final de 2023. E como se já não fosse o bastante, para elevar ainda mais o hype de Batman: A Gárgula de Gotham, a DC vem investindo pesado em seu marketing; levando Grampá para dar entrevistas em vários programas e podcasts, apresentando algumas estátuas e figuras de ação do novo personagem e, até mesmo, criando diversos comic teaser para sua divulgação. Uma baita ação que mostra sua confiança na minissérie e deixa aquela famosa dúvida no ar: é tudo isso mesmo?
Batman: A Gárgula de Gotham vol.1, de Rafael Grampá e Matheus Lopes
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Neste quadrinho, temos um Batman nos primeiros anos de atuação como vigilante de Gotham. Apesar de não ter aprovação total da polícia, o herói conta com o apoio do ainda inspetor James Gordon para solucionar os crimes que acontecem naquela cidade brutal. Como se não bastasse a presença de um novo vilão extremamente violento chamado Crytoon, aficionado pelo personagem de um antigo desenho animado, a quarta vítima de um misterioso serial killer é encontrada com perfurações tão precisas em seu corpo que faz a polícia suspeitar de que o assassino está tentando passar uma mensagem em suas ações.
Enquanto tenta resolver os casos, o Batman diferentão e tecnológico cria um plano para matar Bruce Wayne e extinguir sua vida pública de uma vez, deixando o caminho livre para atuar como vigilante em tempo integral – algo que, na visão do personagem, iria ser útil para acabar com a criminalidade de Gotham; já na minha visão, ajudaria a melhorar suas habilidades de luta, porque pensa num cara que apanha.
Vou falar sobre a narrativa mais para frente, mas você já percebeu que a história tem uma certa complexidade e inúmeras pontas soltas que deixam a minissérie Batman: A Gárgula de Gotham, no mínimo, interessante. Sem dúvidas, em termos de conteúdo, a trama tem muitos pontos positivos, mas o grande destaque desse trabalho é a arte do Rafael Grampá, que cria o conceito de um Batman diferente dos designs tradicionais que estamos acostumados a ver, porém, não tão longe de algumas das versões elogiadas do personagem.
À primeira vista, o novo uniforme do homem morcego parece ser meio básico, como se ainda fosse uma versão inicial do seu projeto. Mas, aos poucos vamos descobrindo que a roupa é muito mais. Além de ser uma espécie de armadura, é crível e, aparentemente, funcional. Repleta de cintos, bolsos e utensílios que o personagem chega a interagir durante a trama. A estética é muito bacana, mas ela se destaca mesmo por apresentar recursos tecnológicos como visão noturna e “aprimoramento” de audição. Nessa primeira edição, apesar de terem aparecido poucas vezes, esses recursos foram bem incrementados na parte investigativa da trama e abrem uma série de possibilidades para o futuro do personagem. Espero que a gente veja mais dessas bat-bugigangas logo.
Aliás, outro dispositivo que precisa aparecer mais é a Máquina Cega, o novo batmóvel totalmente blindado e sem janelas que funciona com uma série de câmeras e sensores, e ainda é capaz de fazer várias acrobacias apenas com comandos de voz. Um conceito bem interessante que, assim como tudo o que foi apresentado, pode criar situações bem legais nas próximas edições.
De modo geral, acho a arte do Grampá fantástica. A maneira como integra as onomatopeias ao conjunto do desenho, usando elementos do ambiente para criar as figuras é simplesmente animal. Quase tão incrível quanto as rimas visuais que faz em certos momentos, com desenhos no primeiro plano que se revelam uma figura maior ao mudar sua perspectiva – como na própria capa que, virada de cabeça para baixo, transforma o Batman em um morcego.
O trabalho de cores do Matheus Lopes complementa perfeitamente a estética desse quadrinho que tem muitas inspirações nos traços de Frank Miller (principalmente em Cavaleiro das Trevas II) e do Andy Kubert, em Cavaleiro das Trevas III. Óbvio que tem muito do seu próprio legado de Cavaleiro Das Trevas: A Criança Dourada, porém ainda consegue ter muita originalidade – seja na sua interpretação de Gotham, suja e depravada, ou na estética dos personagens e mesmo no Batman, que tem muitos traços do próprio animal em sua máscara, capa, etc.
É engraçado como causa uma certa estranheza, mas, ao mesmo tempo, mostra que esse personagem é, acima de tudo, um fruto daquele daquela cidade. Tão melancólico e gótico que chega a ser dramático. Nesse ponto, dá para perceber uma referência bem direta ao filme do Matt Reeves, The Batman (2022).
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Esse tom soturno se reflete também no argumento do Grampá que, novamente se inspirando em Frank Miller, abusa dos balões de pensamento para narrar os pensamentos do Batman. Essa forma de guiar a história não é nada inovadora e já foi usada até mesmo fora dos quadrinhos – The Batman é um exemplo. Porém, enquanto no filme existe a justificativa de ser um diário do personagem, aqui os pensamentos são apenas parte da sua consciência intrusiva. Em alguns momentos esse recurso acaba sendo um tiro no próprio pé, pois deixa o texto meio clichê, com frases de efeito tão batidas que passam aquele ar de artificialidade.
Não chega a atrapalhar a leitura, de maneira alguma. Mas é engraçado como certos trechos parecem ser mais sérios do que a arte apresenta; descasando um pouco a “ridicularidade” de estarmos vendo um homem adulto vestido de morcego para bater nos outros.
De qualquer forma, gostei muito do que vi e espero que as próximas edições sigam esse padrão. Existem muitas pontas soltas para se fechar, inclusive, vemos brevemente que existe um movimento social crescendo na internet e que busca levantar críticas aos ricos e herdeiros de Gotham; promete ser uma trama paralela bem interessante e até complementar a trama principal, como Miller fez inserindo a presença da mídia no Cavaleiro das Trevas, em 1987. Agora precisamos aguardar até o lançamento do segundo volume para saber, mas está previsto para chegar ao Brasil na segunda quinzena de fevereiro. Nos Estados Unidos a sequência já foi publicada e, pelo que vi, as avaliações continuam bem mistas.
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