Na resenha que escrevi sobre o primeiro volume de Batman: A Gárgula de Gotham comentei sobre a existência de muitas subtramas correndo em paralelo aos acontecimentos principais. Até aquele momento, apesar da história abordar diversos assuntos de uma vez e deixar pontas soltas em todos eles, estava apostando na minissérie – mesmo com as críticas mistas das reviews americanas.
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Quatro meses depois, estou de volta e, agora, posso afirmar que Batman: A Gárgula de Gotham vol.2 me deixou preocupado. Estou começando a achar que o hype criado em cima do projeto pode não se sustentar daqui para frente, justamente por conta de algumas escolhas do autor que fragilizaram minhas expectativas com a obra.
Batman: A Gárgula de Gotham vol.2, de Rafael Grampá e Matheus Lopes
Batman: A Gárgula de Gotham vol.2 finalmente está entre nós e já podemos ter um vislumbre mais robusto das ideias que o brasileiro Rafael Grampá quer abordar no projeto. Quer dizer, mais ou menos. A verdade é que Grampá mostra ter várias boas ideias para esse novo universo do herói de Gotham, mas na hora de passar o argumento para o papel, a complexidade desnecessária e as inúmeras pontas soltas das tramas secundárias acabam pesando negativamente na narrativa.
Neste volume, temos uma história fragmentada, contada através da visão de diferentes personagens. Logo na primeira página, o vilão Virgem é apresentado atacando uma pessoa que estudava o cérebro humano. Como seu nome não foi dito na história, ainda não dá para saber seu gênero, mas o visual com muitas agulhas e o pingente que carrega com um símbolo do que parece ser uma seita (também apresentada neste volume), dá algumas pistas de que ele pode estar envolvido no caso do serial killer misterioso. Antes mesmo do lançamento do segundo volume, o autor já havia comentado de que apareceriam mais dois vilões e, como ambos são revelados nesta edição, ficou fácil saber quem era quem.
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Em seguida, vemos um flashback do final da primeira edição, onde o Batman encurralou o Crytoon numa ponte após persegui-lo em seu batmóvel. Esse momento serve para nos apresentar uma faceta diferente de tudo o que tínhamos visto do personagem até agora. Em uma crise de raiva, Batman perde o controle e espanca o criminoso com extrema violência na frente de todas as pessoas que estavam lá – uma cena que me remeteu novamente ao The Batman, quando o homem morcego injeta adrenalina para continuar lutando. Só que, neste caso, ele simplesmente agiu descontroladamente pela raiva.
Também vemos que as investigações da polícia levaram a relacionar os misteriosos assassinatos a uma lista de pacientes que foram tratados em uma antiga ala infantil do Asilo Arkham. Por coincidência, um dos nomes dessa lista é Bruce Wayne que, ao negar a proteção policial oferecida pelo inspetor Gordon, descobre que ele mesmo foi um dos pacientes. E em um gigantesco retcon, Alfred revela que Bruce precisou de atendimentos psiquiátricos, pois, no dia em que seus pais morreram, encontraram o jovem espancando um sem teto que acreditava ser o culpado pelo assassinato. O motivo dele não se lembrar disso é uma espécie de lavagem cerebral, feita para garantir que ele pudesse crescer sem maiores traumas. O que não funcionou nenhum pouco, convenhamos.
Cansou? Calma que ainda tem mais! A investigação do Gordon acaba o levando a mais uma peça-chave da trama: um vilão autointitulado Madreposa. Um trocadilho bacaninha, uma vez que ele tem relação com a igreja, mariposas e uma misteriosa seita que pode estar envolvida com a (TAN TAN TAN TAAAAN) criação do Batman!
E não esqueça que também estão acontecendo manifestações contra os ricos de Gotham. Aqui, elas evoluíram para um movimento chamado #FalemPorEles e é liderado pela personagem Nia, que vemos rapidamente na primeira edição, e tem quase tanto destaque quanto um prédio da cidade. Ou seja, nenhum. Infelizmente, porque, além de ser uma abordagem bem única sobre a participação política e social do Bruce em Gotham, também é a oportunidade para explorar um lado mais “verídico” da persona babaca que um milionário tende a ser. Como eu queria ver essa crítica sendo bem explorada; jogando as ações do Batman contra a parede, mostrando que ele é só um riquinho que sai batendo em quem ele acredita estar errado e tendo seus próprios crimes ignorados pela polícia. Não sei se será desta vez, mas fica aí o desabafo.
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Então, vamos lá. Até agora temos um Batman psicótico e descontrolado, um Bruce Wayne arrogante, mimado e insuportável que quer morrer, mas também quer descobrir quem ele é, um assassino em série, 3 vilões, uma seita misteriosa e um movimento social sem grande profundidade. Tudo isso para ser resolvido em apenas duas edições, pois esse segundo volume não serviu de muita coisa, a não ser dar o vislumbre de várias ideias boas que correm o risco de serem mal exploradas, na minha opinião.
É óbvio que fica impossível definir a qualidade de uma obra quando você só tem acesso somente a uma parte dela. Batman: A Gárgula de Gotham terá quatro volumes, então muitas coisas ainda podem acontecer em 100 páginas. Entretanto, a impressão que tenho é que são tantas informações simultâneas que vai ter uma hora que será necessário focar em apenas algumas para que se tenha o mínimo de coerência no arco. O problema é que todas as ideias são boas. Não queria vê-las sendo desperdiçadas em narrativas rasas e sem propósito. Dá para ver que o autor tem o que falar, encontrou maneiras de fugir da obviedade e criar algo original ao explorar traços mais “reais” do personagem. Só que, infelizmente, talvez não tenha tempo de desenvolver mais dessa faceta.
Pode ser que essa vontade de despejar ideias seja um reflexo da falta de experiência do Grampá em projetos solo, ou quem sabe aquela ansiedade de criar um “clássico moderno” equiparado a obras das suas referências, como Frank Miller e Scott Snyder. Pode ser até que ele tenha um plano e eu pague a língua, ao final, mas quem vai nos mostrar isso será a conclusão do seu projeto, daqui duas edições. Até o momento, não acredito que haja uma forma de encerrar todas as subtramas sem que a narrativa seja apressada.
Quero ressaltar que, apesar dos comentários sobre o futuro da minissérie, o foco aqui é a análise do volume 2 que, no meu ponto de vista, foi bem fraco. Não avançou muito a história principal, escanteou o vilão que teve grande destaque na edição anterior e teve toda a questão das pontas soltas que já citei.
Entretanto, também tivemos pontos positivos. O conceito envolto dos novos personagens é um exemplo. Além de um belo visual, o vilão Madreposa carrega consigo essa marca de estar sempre rodeado por mariposas, quase como um presságio de quando algo ruim vai acontecer, mas também usando-as como uma arma por ter o domínio sobre os insetos.
Claramente a escolha pela mariposa é (mais) uma referência a outro thriller clássico de investigação (O Silêncio dos Inocentes). Funciona com a ambientação da narrativa, é legal como personagem, mas sei que para alguns pode soar meio clichê – eu mesmo ainda tenho um misto de sentimentos sobre essa escolha que parece ser uma grande adição, mas deslocada da trama principal. Espero que seja um vilão bem explorado até o final da minissérie ou volte a aparecer em projetos futuros.
O final é outro ponto de destaque, com cenas de ação intercalando os três principais arcos, na magnífica arte e cores do Rafael Grampá, que se mantém impecável, e traz desfechos empolgantes para a continuação, principalmente na ideia dessa seita e o que efetivamente representa a figura do homem morcego para a cidade e para o próprio Bruce.
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Batman: A Gárgula de Gotham vol.2 não segura o hype e nem consegue manter o nível da edição anterior, mas ajuda na expansão do universo que, se for bem construído, pode nos entregar ótimas histórias do herói em uma faceta nunca explorada antes.