Sabemos que a expectativa é a mãe da decepção e, mesmo assim, não conseguimos evitar ficar frustrados com algo que esperávamos ser bom.
Outros Reinos, último livro escrito por Richard Matheson e publicado ainda em vida, expressa esse sentimento muito bem. Não consegue atingir o patamar das suas outras obras, não se destaca dentro de nenhum dos gêneros que é classificado e, se consegue promover algum consenso entre os leitores, é justamente sobre ser um livro decepcionante.
Em seu argumento, somos guiados pelo narrador de 82 anos, Arthur Black (que em poucas páginas descobrimos ser um pseudônimo do escritor Alex White) através de uma história que, segundo ele, aconteceu de verdade em sua juventude – diferente da sua série de livros de horror que o tornaram famoso, intitulados Meia-Noite.
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Depois de uma introdução com bastante suspense, o autor volta no tempo para explicar o contexto que o levou a fazer determinadas escolhas em sua vida, sendo os pontos mais importantes a sua relação problemática com o pai, Bradford Smith White, da marinha dos Estados Unidos (e guarde bem esse nome) e as mortes da sua irmã mais nova e mãe. Esses acontecimentos traumáticos fizeram com que o rancoroso Alex, ainda em seus 17 anos, se alistasse no exército americano para lutar na primeira guerra mundial, assim, fugindo do seu pai abusivo e o deixando extremamente bravo por não seguir seus passos na marinha.
Em pouco tempo é enviado para lutar nas trincheiras da Inglaterra, onde conhece Harold Lightfoot, um soldado um tanto peculiar que se torna seu amigo e com quem cria uma relação bastante próxima, ao ponto dele sempre falar para Alex da sua incrível cidade natal cercada de magia, Gatford.
Após um acidente, Harold acaba falecendo, mas deixa uma enorme pepita de ouro de presente para White e uma missão: encontrar Gatford e desfrutar daquele lugar mágico. Claro que Alex, mesmo sem conhecer a região ou mesmo ter experiência de vida fora de zonas de conflito, vai até lá. Entretanto, o que encontra ao chegar na cidade põe em dúvida toda todas as suas crenças e testa o limite do seu ceticismo ao colocá-lo de frente com criaturas fantásticas como bruxas e fadas.
O primeiro ponto negativo está atrelado à sua trama que, apesar de ter alguns momentos interessantes, não tem nada de especial. Não que todo livro precise ter aquele plot incrível, mas é importante que a história em si tenha elementos básicos que te deixe intrigado, com vontade de ler mais. Por mais que Outros Reinos tenha o privilégio de ser escrito por um autor extremamente competente que, mesmo diante de tanta coisa ruim, ainda consegue trabalhar boas ideias e construir um ótimo suspense nas situações certas, falta sensibilidade para engajar o leitor.
Acredito que o livro seja construído em uma das estruturas narrativas mais difíceis que existe, em termos de história. Quando temos um narrador-personagem contando seu passado é muito complicado criar situações que deixem os leitores apreensivos, uma vez que a gente sabe que ele está contando suas experiências. Ou seja, nada de muito ruim vai acontecer com ele. Isso já dá uma quebra gigantesca nas possibilidades de surpresas e o autor precisa ser muito hábil para criar situações que consigam nos prender, gerar tensão, e nos fazer esquecer que estamos olhando para o passado.
Muitas obras prequelas sofrem com isso, futuramente resenhar o Resident Evil – Caliban Cove e vou abordar esse tópico novamente, acho que vai ficar mais claro. Porém, o princípio é o mesmo: você sabe que nada muito drástico vai acontecer Tem até um momento que parece que o autor vai subverter isso, mas não. Não há consequências e os personagens contornam o problema com uma mirabolância impressionantemente ridícula.
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Mas qual seria a solução para contornar esse tipo de problema? Ter uma história com bons momentos e, principalmente, criar personagens carismáticos que nos façam se importar com eles, tirando o peso do protagonista sustentar as reviravoltas. É nesse ponto que temos mais um grande problema de Outros Reinos – sua condução narrativa. Uma característica comum de tramas em primeira pessoa (conhecidas como POV ou point of view) é ter o narrador meio desconexo da realidade ou mesmo exagerado, falando como se tudo girasse em torno de si. O narrador desse livro consegue fazer as duas coisas e ser insuportável.
Como Alex é um autor, ele se sente à vontade para ficar divagando em seus pensamentos, abrindo ideias uma atrás da outra até se perder em seu próprio raciocínio. Além de ser um personagem prolixo, seu texto é muito complexo e o uso excessivo de vírgulas, parênteses e travessões para compor a escrita cria uma complexidade sintática desnecessária. Tenta parecer culto, mas só me faz achar que tem algum problema de concentração.
Como se já não fosse ruim o suficiente, ainda fica repetindo algumas coisas como no nome do seu pai durante o livro inteiro. A ideia é dar ênfase no quão mau era esse cara, contudo, a única coisa que consegue é nos deixar irritados com sua insistência em assuntos paralelos. Um dos seus temas preferidos é sobre a sua idade elevada, informação que também usa de muleta para justificar comentários um tanto complicados – o que me lembra o terceiro ponto que me fez desgostar da obra.
Antes de começar a leitura fui registrar o avanço no meu Skoob e aproveitei para ver alguns comentários sobre o livro na plataforma e no Goodreads, e como vocês devem imaginar, o pessoal estava descendo a lenha.
Mas umas das coisas que mais me chamou a atenção foram críticas que apontavam um conteúdo machista e, em alguns poucos casos, até mesmo pedófilo. Honestamente, eu senti que Matheson pesou a mão algumas vezes. Há certos momentos de sexo que são bem explícitos e gratuitos na história – por muitas vezes, até dão a impressão que o personagem é só um velho tarado. Fora que são absurdamente desnecessárias, não contribuem em nada e flertam com erotismo barato ao enfatizar o corpo das personagens femininas de maneira fetichizada.
Além disso, no ponto mais problemático da narrativa, o autor chega a comparar uma personagem nua que despertou seu interesse a uma criança. Obviamente, sua intenção era falar sobre a PUREZA que ela transmitia, mas como há muitos momentos exagerados e sexualizados, acaba pegando mal.
Minha conclusão é que o livro não chega a ser problemático ao ponto de afastar o leitor. Sinto que faltou um trabalho de revisão mais incisivo, que cortasse umas 10-15 páginas. Isso faria muito bem para o dinamismo da narrativa e evitaria esses momentos polêmicos que não têm necessidade, pois não são o foco da história. O que corrobora essa opinião é justamente o fato da trama não se apoiar no erotismo para acontecer. Não precisava mantê-los.
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Dito isso tudo, Outros Reinos não é um livro de todo ruim, porém, não chega aos pés das melhores obras de Richard Matheson e, com toda certeza, não é a melhor porta de entrada para novos leitores conhecerem seu trabalho. É um livro esquecível que você pode até ler, mas passar longe é melhor.
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