Depois de ler A Última Esperança sobre a Terra (ou Eu sou a Lenda, como ficou mundialmente conhecido, graças ao filme protagonizado por Will Smith) pela milésima vez, não tive dúvidas que o livro de Richard Matheson era o meu preferido da vida.

A narrativa foge do padrão que vemos em histórias pós-apocalípticas e, com algumas poucas reviravoltas, o autor consegue subverter o horror que estabeleceu durante o livro inteiro, de modo que você muda completamente sua perspectiva sobre aquela situação, literalmente, na última frase do livro. 

Ainda pretendo falar muito sobre Eu sou a Lenda por aqui, mas hoje o foco é outro. Só precisava contextualizar para explicar como cheguei até o livro de hoje. Por ser o autor da minha obra preferida, queria ler mais coisas que produziu. 

E por quê não começar do início, não é mesmo? Erro meu. Quer dizer, uma sequência de erros que, até agora, nem eu entendi. A primeira delas já foi a escolha equivocada do livro.

Eu tenho certeza que havia lido em algum lugar que “Outros Reinos” era o livro de estreia de Matheson. Como está disponível de graça para os assinantes do Kindle Unlimited, aproveitei para acessar por ali mesmo até conseguir a versão física por um bom preço.

Acontece que, enquanto escrevia as primeiras impressões, descobri que a obra é, na real, sua última publicação em vida. O livro saiu em 2011 nos Estados Unidos e 2014 no Brasil. Ou seja, errei tanto na cronologia de lançamentos, quanto na ordem de qualidade, pois tudo indica que Outros Reinos é o pior livro do autor.

Isso mudou muita coisa dentro da minha análise inicial, uma vez que o autor deveria estar no ápice da sua escrita. E não é isso que temos aqui.

Outros reinos | Editora Bertrand Brasil (2014)

Antes de começar a leitura tinha visto algumas reviews superficiais da obra e acabei desanimando um pouco, justamente porque era bomba atrás de bomba. Muita gente criticava a narrativa, algumas pessoas citavam o enredo como o ponto mais fraco, já outros falavam do protagonista. Enfim. O único consenso é de que o livro tinha sérios problemas em sua estrutura que atrapalham a experiência dos leitores, de modo geral.

Eu lendo pouco mais de 60 páginas pude perceber alguns pontos negativos e quero conversar com vocês sobre eles, agora. 

O que é “Outros Reinos”?

A premissa de Outros Reinos não é tão complexa quanto pode parecer em um primeiro momento. Basicamente, a história é narrada por um autor de livros de horror, conhecido como Arthur Black, mas que logo nos primeiros parágrafos da introdução já descobrimos ser um pseudônimo e seu verdadeiro nome é Alexander White

Ainda na introdução, Alex afirma que essa obra se difere das suas outras publicações por ser um relato verídico, deixando o primeiro grande mistério no ar. Assim, começa o livro falando sobre sua infância, onde conta como, junto a sua mãe e irmã mais nova, sofriam na mão do pai, Capitão Bradford Smith White, da marinha dos Estados Unidos (um nome que vocês vão cansar de ler).

Depois de descrever algumas situações que comprovam a monstruosidade do pai e narram acontecimentos marcantes em sua vida, o protagonista se alista no exército e é mandado para a Inglaterra para lutar nas trincheiras durante a Primeira Guerra Mundial. Neste período, conhece outro soldado, chamado Harold Lightfoot, que lhe fala sobre sua cidade natal de uma maneira misteriosa, dando ênfase em sua beleza, mas poucos detalhes dos motivos que a tornam tão especial.

Assim, após perder seu amigo em um ataque e ser dispensado das obrigações militares, para não voltar a conviver com o Capitão Bradford Smith White, da marinha dos Estados Unidos (chato, né? Relaxa, no livro você vai ler mais umas cinquenta vezes o mesmo nome), decide procurar a cidade para descobrir o que a faz dela tão extraordinária.

E por enquanto é isso. Como eu disse, no começo pode parecer mais complexo do que realmente é. Porém, é uma jornada do herói pura, bastante simples. Se o autor optasse por seguir a história trabalhando o suspense sobre aquela cidade e seus acontecimentos misteriosos a margem para erro seria quase 0. Só que não foi isso o que ele fez.

A narrativa de Matheson não é de todo mal, você percebe que o autor tem domínio da escrita, sabe criar uma boa ambientação, faz uma descrição bem completinha de cenários e objetos. Contudo, quando precisa desenvolver a história, adota uma linha de texto sofrida; parece que o personagem não consegue se conter em seus pensamentos.

Juro que imaginei que, pela trama ser narrada por um personagem idoso e, possivelmente, um pouco debilitado, essa escolha de adotar um texto mais prolixo fosse para ajudar em sua caracterização. Tipo, como se ele estivesse com dificuldade de manter uma linha de raciocínio depois de tudo o que passou em seus longos 82 anos de vida. Mas chega determinado ponto do livro que até o personagem reconhece que não consegue manter o foco.

É sério, em todo parágrafo o autor abre um pensamento paralelo e demora muito até concluir suas ideias. Seja através de parênteses ou travessões (como estou fazendo nesse texto de propósito), em quase todo maldito parágrafo o personagem tem algo a acrescenta. O pior é que nem sempre é algo relevante. Na grande maioria das vezes o autor usa esse recurso só para inserir mais um mistério na trama, como mencionar algo que ainda vai acontecer, mas não vai detalhar agora, ou mesmo fazer paralelos com experiência de vida do personagem em coisas que não serão aprofundada em nenhum momento.

Chega uma hora que isso se torna muito cansativo (parece que as ideias não seguem uma ordem, são apenas jogadas) e o resultado, não é como se o personagem estivesse pensando em muitas coisas ao mesmo tempo, mas sim que ele não sabe construir um parágrafo coeso.

Por ser escritor de uma série famosa de livros, em teoria, Alex deveria ter o domínio da escrita. E não é o que ele parece ter aqui. Isso me faz acreditar que esses excessos não são apenas propositais (Matheson quis que o livro fosse assim), mas também são exageros para mostrar que ele escreve bem, é inteligente, tem bagagem para falar de diferentes coisas ao mesmo tempo.

O problema é que esses exageros e a complexidade sintática que adotou não tornam Outros Reinos mais interessante. Na verdade, causa o efeito oposto, uma vez que essa escolha na forma de contar a história afasta o leitor, mesmo que a curiosidade para saber o que aconteceu naquela cidade mágica seja grande.

Meio que você sente que não vale a pena, sabe? Quase como se você estivesse ouvindo uma história interessante daquela pessoa insuportável que trabalha contigo. Você quer saber o desfecho, mas se questiona se compensa o esforço.

Sendo assim, minhas primeiras impressões sobre o livro é que a obra é bacana. Estou curioso sobre os rumos que a história vai tomar e espero que a narrativa colabore para que eu chegue mais rápido no fim do livro.

De qualquer forma, Outros Reinos não me parece ser um livro chato, nem mesmo ruim. Espero não pagar a língua quando trouxer a resenha completa, daqui uns dias.