Depois de alguns anos de lançamentos fracos ou de pouca expressão, o cinema de horror voltou a ganhar força com uma nova leva de filmes que buscam subverter os clichês tradicionais do gênero e propor uma perspectiva diferente para temas amplamente explorados. 

Os slashers receberam um presentão com as duas primeiras partes da trilogia dirigida por Ti West; X e Pearl. O horror psicológico também teve bons representantes com Fresh, A lenda de Candyman e Barbarian. Mas se tem uma categoria que vem me surpreendendo positivamente é a de filmes de possessão, com títulos como Possessor, Evil Dead Rise e, mais recentemente, o tão falado filme argentino, When Evil Lurks (Cuando Acecha la Maldad) – título que chegou meio do nada e, junto ao Talk to Me, já entrou para disputar o prêmio de melhor horror de 2023.

Mas o que esse filme tem de tão especial para estar sendo tão comentado? É realmente bom? Chegou a hora de conversarmos sobre When Evil Lurks.

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Crítica | When Evil Lurks, de Demián Rugna (2023)

Cuando Acecha la Maldad ou When Evil Lurks, como ficou mais conhecido, é um filme de horror psicológico idealizado a partir de uma parceria Argentina/Estados Unidos, pelas produtoras Shudder e Aramos Cine, distribuído pela IFC Films – responsável por levar sua estreia no Festival de Filmes Internacionais de Toronto 2023 (TIFF), onde os primeiros burburinhos sobre a produção começaram.

A trama começa quando dois irmãos, Pedro (Ezequiel Rodríguez) e Jaime (Demián Salomón) descobrem um cadáver em sua propriedade. Na busca para descobrir a identidade e para onde esse homem estava indo, são surpreendidos pela presença de um morador local possuído por uma entidade maligna e estranhamente contagiosa, capaz de se espalhar como um vírus para toda a população daquele lugar.

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Olha. Que projeto legal o diretor e roteirista, Demián Rugna, tinha em mãos. Começando pelo próprio conceito de possessão demoníaca que, dentro dessa mitologia pré-estabelecida, funciona de modo similar ao que vemos em tramas de zumbis, onde o contágio é feito através do contato de um infectado com outras pessoas que se tornam portadoras do vírus e acabam por virar criaturas similares.

Em When Evil Lurks o princípio é basicamente o mesmo, com algumas diferenças nas criaturas e nas regras de disseminação da possessão, mas que são alterações totalmente pertinentes àquela realidade e aos objetivos desses monstros. E esse é um mérito total do roteiro, que consegue introduzir o espectador aos acontecimentos daquela região sem a necessidade de exposição ou mesmo sem criar personagens ignorantes à sua própria cultura – uma vez que, ao poucos, vamos descobrindo que a presença demoníaca é algo conhecido por todos, que faz parte das suas lendas e, apesar de não ser vista com frequência, a maior parte das pessoas sabem o risco da sua existência e compartilham o que acreditam funcionar para se livrar do mal através da oralidade daquelas histórias. 

Em outras palavras, os personagens sabem o que está acontecendo justamente por terem vivido em contato com o folclore daquela cultura e, por isso, mesmo que nunca tenham presenciado tal situação, entendem o risco que correm. Aprenderam naturalmente ouvindo de pais para filhos, avós para netos, e deles para nós. Isso explica porque regras como a proibição do uso de armas de fogo ou contato com o infectado são de conhecimento geral, assim como o fato de algumas pessoas não saberem o porquê mudar um infectado de lugar pode acabar piorando as coisas.

E mesmo que soubessem, provavelmente, não mudariam suas ações, já que eles nunca tiveram que lidar com aquilo de fato. Saber das lendas, mas não ter contato com as criaturas há muito tempo justifica a ignorância que eles têm ao fazerem merda.

Nesse ponto, o filme se beneficia muito de ser latino-americano, focado em uma região pequena e afastada de grandes centros, sem muitos olhares do mundo. Ajuda a dar a sensação de que a possessão está acontecendo de maneira plausível, afastada de tudo, com poucas chances de haver uma grande repercussão midiática e a maior facilidade de propagação daquele “vírus”.

E se o roteiro é bem amarrado, a direção complementa a trama ao entender perfeitamente o texto e saber dosar a tensão, aflição e a ansiedade que sentimos quando acompanhamos aqueles personagens que sabem o que estão enfrentando, mas não têm ideia do que vão fazer para se livrar das maldições. 

Mesmo que não tenha nenhum grande feito digno de nota, a direção de Rugna é extremamente competente e, até mesmo, impressionante para um orçamento de apenas US$ 10 milhões. Acredito que existam, sim, alguns momentos onde é possível ver que o budget baixo aparece, como em cenas internas em carros, mas os aspectos visuais são tão incríveis, principalmente quando a maquiagem e os efeitos práticos, que você releva facilmente. O uso de efeitos digitais em pontos específicos da narrativa, que pedem mais brutalidade, também são muito bem feitos e igualmente satisfatórios.

Apesar de tantos elogios, o filme dá alguns tropeços também. Na parte do roteiro, sinto que os personagens mudam de tom muito rápido – hora estão muito preocupados, hora esse desespero passa e eles conseguem dormir tranquilamente. Do nada, volta esse desespero frenético ao perseguir uma das criaturas, minutos depois mudam os planos. Parece que não há um foco ou mesmo um plano. As coisas são movidas por uma impulsividade que só aparece quando convém aos acontecimentos da trama, porque até ocultar informações importantes os protagonistas fazem sem necessidade; apenas para dar um problema maior futuramente e movimentar a trama.

Já, em relação a direção, há determinados personagens secundários que exageram um pouco na atuação e me tiraram um pouco daquela imersão. Nada que estrague a experiência, mas tem certos momentos que fica com aquela cara de atuação clichê, sabe? Até que ponto isso é um problema de roteiro, eu não sei. Entretanto, como é responsabilidade do diretor dosar as atuações, entendo que poderia ser algo melhor trabalhado.

Contudo, volto a ressaltar: não é uma coisa que estrague os méritos do filme. De modo gera, tenho certeza que o projeto vai agradar boa parte das pessoas que gostam de filmes de horror.

When Evil Lurks pode até não ser o melhor filme de horror de 2023, na minha opinião (posto que ainda está com Talk To Me), mas, sem dúvidas, vai ser lembrado durante muito tempo como uma obra prima do gênero feita pelos nossos hermanos.

REVER GERAL
Nota
critica-when-evil-lurks<b>Título:</b> Cuando Acecha la Maldad<br> <b>País:</b> Argentina/Estados Unidos<br> <b>Duração:</b> 1h39<br> <b>Direção:</b> Demián Rugna<br> <b>Roteiro:</b> Demián Rugna<br> <b>Produtora:</b> Aramos Cine, Shudder Films, Machaco Films<br> <b>Distribuidor:</b> Filmes IFC<br> <b>Gênero:</b> Horror; Possessão<br> <b>Ano:</b>2023<br>