Introdução | Tomie vol. 1 – Junji Ito
Depois de um ano com tantos lançamentos notórios e uma expansão considerável de publicações em seu catálogo, a editora Pipoca e Nanquim tinha um grande desafio para 2021: manter a qualidade das obras em alto nível.
Quem acompanha o canal da editora no YouTube ou mesmo o mercado nacional de publicações de livros e quadrinhos, sabe que a tarefa deles seria muito maior do que conseguir os direitos para lançar um material bom, com nomes relevantes envolvidos.
Isso porque o custo de todo o processo, que começa no licenciamento e vai até o transporte para a sua casa, teve aumentos expressivos em inúmeros pontos, além de todas as outras questões que envolvem a economia do país.
Mas não demorou muito para os caras mostrarem que não estão de brincadeira e que nenhuma dessas questões seria problema para manter o padrão lá em cima. Assim, dentre anúncios como Todo Incal (inédito no país), Red Sonja , Bran Mak Morn e Dan Brand e Outros Clássicos, estava ele – Tomie, de Junji Ito.
Um grande mangá, de um grande artista, publicado de maneira espetacular por uma grande editora. E se você acha que é exagero da minha parte, só acompanha o que vou te mostrar a partir de agora.
Contextualização da obra
Tomie é um mangá de terror e horror psicológico, escrito e desenhado pelo grande mangaká Junji Ito, como seu trabalho de estreia no mercado.
Com uma história interessante e curiosa – que vamos contar somente na Adaptação da obra – foi publicado originalmente em edições mensais da Monthly Halloween, da revista Nemuki, pela editora Asahi Sonorama entre os anos de 1987 e 2000, no Japão.
Além de lançar seu nome para a indústria de mangás, a obra também marcou o começo da carreira do autor como um dos principais nomes do gênero, responsável por influenciar diversos artistas em diferentes mídias nos anos seguintes. E esse destaque todo não é por acaso.
Em Tomie o leitor é apresentado a história de uma jovem extremamente bela e encantadora, mas que teve seu futuro interrompido ao ser brutalmente assassinada e esquartejada em um ataque misterioso.
Logo nas primeiras páginas, acompanhamos o funeral e o impacto que sua morte teve para os alunos da escola na qual estudava. Contudo, o luto de todos acaba sendo suspenso quando, no meio do discurso de um dos professores, a Tomie entra na sala e, como se nada tivesse acontecido, se senta em sua cadeira.
Essa situação cria uma histeria coletiva em todos da escola que, aos poucos, vão elaborando teorias do que pode ter acontecido: ela teria uma irmã gêmea? Foi tudo um sonho? É um fantasma? Ninguém sabe responder. Mas é certo de que aquela moça, com longos cabelos pretos e uma única pinta embaixo do olho é a Tomie.
Não demora muito até que um flashback nos revele o que aconteceu com a garota e o motivo de todos estarem tão desesperados. E é aí que o bicho pega.
Além de ser muito bonita, Tomie também tem um charme “peculiar” que faz com que todos os homens ao seu redor se apaixonem por ela. Seu jeito imponente de falar, andar e até mesmo observar as pessoas é outro ponto que chama a atenção dos rapazes que, rapidamente, se colocam à disposição para fazer qualquer coisa por ela.
As garotas, por sua vez, geralmente sentem uma certa inveja da sua beleza e desinibição para falar com homens, incluindo aqueles que estão em um relacionamento e acabam abandonando as amadas para ficar com ela.
Entretanto, outro “probleminha” acaba aparecendo com o tempo. Todos aqueles que se apaixonam por ela são acometidos de uma súbita vontade de matá-la de forma brutal.
Se você achou essas descrições muito pesadas, talvez nem deva encarar o mangá, já que os assassinatos vão acontecer de novo, e de novo, e de novo. Até, literalmente, a última página da história.
E isso só é possível porque a adorável garota tem um estranho fator de cura e reprodução celular que faz com que ela renasça toda vez que é morta. Como se não fosse o bastante, todos os seus outros pedaços também conseguem gerar novas “Tomies” exatamente iguais – com a mesma personalidade desprezível e poderes de sedução paranormais – criando um ciclo interminável de morte, assassinatos, violência e… diversão?
Análise
Divertido. Esse é um adjetivo bastante apropriado para descrever o primeiro volume de Tomie. Mas a verdade é que só faz sentido acompanhado de uma série de outras qualidades como “impressionante”, “viciante” e “aterrorizante”.
O mangá te conquista em poucas páginas e, antes que você perceba, acabou de ler e está angustiado pelo próximo volume. Seu enredo é contado em dez capítulos que funcionam mais como contos, já que são poucas as histórias que seguem uma continuidade e, originalmente, foram publicados mensalmente.
Boa parte deles funciona bem isoladamente e apresenta personagens novos para cada trama. Contudo, caso apareça alguém que foi apresentado anteriormente e você não se lembrar de qual conto ele pertence, pode consultar uma lista completa no final da edição.
Como eu disse no começo, trazer Tomie para o seu catálogo foi um enorme acerto da editora Pipoca e Nanquim. Inexplicavelmente, ainda não tinha sido publicado no Brasil e, a maior parte das pessoas que leu algo do Junji Ito por aqui, começou por Uzumaki.
Entretanto, acredito que Tomie seja a melhor porta de entrada para esse universo, pois você consegue ver a evolução do autor a cada capítulo, o que começa de maneira simples e até mesmo despretensiosa, principalmente em termos de arte, se torna algo gigante até o final do primeiro volume – e culmina em obras espetaculares em sua carreira, posteriormente.
Em relação aos argumentos, Junji Ito consegue se destacar pela escrita concisa e o modo como trabalha a história com textos leves e empolgantes, mesmo que o tema central esteja ligado a situações perturbadoras.
Isso é digno de nota, porque as chances de um artista iniciante se atrapalhar em suas ideias e acabar perdendo o tom ao abordar situações tão malucas em seu roteiro são muito grandes.
Mas Ito controla o enredo muito bem. E não só controla como desenvolve, evolui e engrandece. Até o final do mangá você percebe que acabou de ler algo surpreendentemente diferente de tudo o que deve ter visto até hoje.
E a mesma coisa acontece com a sua arte, já que nas primeiras páginas, quem conhece outros trabalhos do autor toma até um susto por conta da simplicidade dos desenhos.
Não que eles sejam feios, longe disso. A questão é que depois de ver a primeira página de Uzumaki, por exemplo, onde o cenário e as pessoas desenhadas por ele são repletos de detalhes, movimento e complexidade de perspectiva, você acaba estranhando.
Mas ao final do primeiro capítulo e ao longo dos nove seguintes, sua evolução se torna perceptível. A composição de cenários melhora consideravelmente, assim como a aplicação de sombras, expressões dos personagens e todos os detalhes do quadro.
Quando você for ler o mangá preste bastante atenção em dois pontos: a composição dos cenários das histórias como casas, ruas, praias, etc, e as expressões dos personagens – principalmente em seu olhar. É pelo olhar que a Tomie conquista os homens ao seu redor, e é pelo olhar que ela vai te prender também.
Pode parecer até meio horrível falar que você termina o livro amando a personagem principal, porém é bastante compreensível.
Ela é cativante, divertida, arrogante e maldosa em um perfeito equilíbrio que, ao mesmo tempo em que te atrai, causa um sentimento de repulsa; mesmo em sua versão repugnante com duas cabeças você encontra um charme.
Acredito que uma das coisas que ajuda a criar o sentimento de afeição no leitor seja a curiosidade envolto daquela figura misteriosa. Junji Ito é muito hábil em montar a narrativa da personagem mesmo sem explicar ao certo os detalhes do que ela é.
A primeira coisa que vem à cabeça quando a Tomie aparece é que ela se tornou um espírito. Entretanto, essa hipótese é descartada ainda no primeiro capítulo quando você passa a ter certeza de que ela não é um fantasma. Mas se não é um fantasma, o que pode ser? Um demônio? Uma entidade? A personificação do mal? Bom, eu já adianto que vocês vão terminar a leitura sem saber o que ela é. Isso é fantástico.
Por coincidência, um dia antes de começar a ler Tomie eu estava assistindo ao filme russo A Sereia – O Lago dos Mortos e, imediatamente, fiz a associação de seus com o mangá. Não pela qualidade do filme, pelo amor de deus, que filme ruim, mas sim pelo seus “poderes de atração” parecidos.
Em algumas cultura como a própria mitologia eslava, as sereias (ou Rusalkas) são criaturas malignas que hipnotizam as pessoas, sendo homens jovens suas principais vítimas, e os obriga a realizar as suas cruéis vontades até o momento que os atrai para o mar e os mata afogados.
O que é a Tomie senão uma força da natureza que só está cumprindo o seu papel? Como um parasita, ela usa as pessoas para se multiplicar e continuar espalhando o caos pelo mundo.
É claro que isso é só a minha opinião e você pode deixar a sua nos comentários (hehe).
Edição
Aos ávidos compradores das publicações do Pipoca e Nanquim, como eu, não é novidade que o trabalho editorial dos caras é impressionante. A qualidade do material usado é realmente acima da média, assim como a impressão das páginas e as cores de capa, sobrecapa e marca texto – um brinde recorrente em suas publicações de mangá.
Apesar de não ser um projeto totalmente original, pois segue os moldes das edições japonesas mais recentes, vale a pena destacar que a maior parte das alterações sugeridas para a versão brasileira foram muito bem-vindas.
Um exemplo perfeito foi a escolha de artes para a capa e sobrecapa do mangá, que mostram a personagem de perfil em suas duas versões; humana e sei lá o quê. Os desenhos combinados com as cores preto e rosa ficaram sensacionais.
O volume 1 de Tomie já está disponível e pode ser adquirido com desconto pelo site de alguns parceiros da editora como a Loja Monstra e Comix, ou mesmo pelo site da Amazon, onde é possível garantir um desconto de 30% na compra dos dois volumes por R$ 64,90 (válido até o lançamento do segundo volume).
Um preço atrativo para um material de capa cartão, com 372 páginas, posfácio do autor e a adição de uma lista de personagens no final do mangá, além de uma tradução impecável feita pela Drik Sada (@drik_s).
O segundo volume saiu no dia 26 de março e já tem resenha dele por aqui.
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Muito obrigado à quem chegou até aqui.
Até a próxima.