Introdução | Tomie vol. 2 – Junji Ito
Há dois meses, publiquei a resenha do primeiro volume de Tomie aqui no blog e terminei dizendo o quanto estava ansioso pela continuação.
A demora em voltar aqui pode ter dado a impressão de que as histórias subsequentes não atingiram as minhas expectativas ou mesmo de que tinha desistido de falar do mangá. E por mais que minha leitura tenha sido um pouco mais demorada, de fato, a verdade é que eu estava apreciando muito essa obra.
Ao final, cheguei a conclusão de que Tomie não foi só a melhor maneira de Junji Ito ingressar nesse universo, como também foi o atestado da sua competência como artista – caso ainda houvesse dúvidas.
Mas, vamos por partes, porque até o final do texto, vou apresentar bons argumentos para você considerar colocar esse mangá no seu carrinho de compras o quanto antes.
Tomie – Volume 2 | Capa Ed. Pipoca e Nanquim (2021)
Contextualização da obra
Como vamos falar do segundo volume do mangá, o ideal é que você já tenha lido a análise anterior. Nela, comentei vários pontos sobre o autor e concepção da obra que seriam redundantes abordar novamente.
Portanto, se ainda não leu, clique neste LINK para abri-la em uma nova guia e depois você volta aqui para continua de onde parou. Demorou?
Avisos dados, vamos lá. Bom, como era de se esperar, a editora Pipoca e Nanquim manteve o mesmo padrão de publicação do volume anterior que, por sua vez, segue à risca a coleção mais recente do Japão, lançada pela editora Asahi Sonorama, em 2011.
Em termos de qualidade, garantir os direitos desta edição foi um grande acerto da Pipoca e Nanquim.
Além de ser uma das melhores já lançadas em todo mundo, a seleção das histórias em ambos os volumes é muito boa e apresenta uma evolução notável do autor, que começa como um roteirista super competente e termina como uma mangaká excepcional em todos os sentidos.
Análise
Diferente do primeiro volume que começa com histórias sequenciais, como se estivesse trabalhando uma narrativa sobre a Tomie, aqui elas já seguem o formato de contos desde o príncipio.
Sim. Isso significa que logo nas primeiras páginas temos muita violência e, em pouquíssimo tempo, descobrimos que a protagonista continua conquistando vítimas para realizar as suas vontades horrendas.
Esse formato proporciona um dinamismo diferente à leitura, pois o desenvolvimento da Tomie Kawakami com os outros personagens acontece bem mais rápido do que nos contos anteriores. Na maioria das vezes, o seu “lado ruim” já se apresenta de cara e vamos acompanhando o desenrolar das suas ações na vida das pessoas ao seu redor.
Neste ponto, vale reforçar que a sua personalidade está muito mais afiada do que antes. Chega até ser um pouco estranho no começo, porque ela fica distribuindo ofensas gratuitas, exigindo a serventia de todos e até humilha os homens que se apaixonam por ela.
Por mais que tenha sido uma aspecto que eu não curti logo de cara, com o passar do tempo fui me acostumando. Muito porque essa personalidade grosseira acaba refletindo em situações diferentes das que estávamos vendo, até então.
Uma delas, e talvez a mais interessante, é a maneira que a Tomie consegue acabar com o psicológico das pessoas que enfeitiça.
É muito bacana ver como o autor usou suas habilidades para criar situações onde os personagens disputam a atenção da Tomie e fazem todas as suas vontades para depois serem recebidos por uma gargalhada de desprezo.
Nem todos criam coragem para matá-la, alguns tentam se tornar melhores no que fazem para impressioná-la e outros até tentam superar suas ofensas – o que acaba fazendo com que ela fique extremamente frustrada e gera momentos bem engraçados na trama.
Também é neste volume que somos apresentados aos contos que abordam a famosa rivalidade entre Tomies que gerou algumas das suas adaptações mais famosas, como o filme de 2007, Tomie vs. Tomie.
Tudo isso misturado à arte do Junji Ito que, neste volume, revela o motivo da sua fama e deixa o mangá ainda mais impressionante. Sem dúvidas, são nas histórias dessa edição que estão os seus melhores desenhos envolvendo os arcos da Tomie.
É impressionante ver a evolução do traço e o uso de técnicas avançadas de sombreamento e perspectiva na construção dos seus quadros. Na primeira história mesmo, onde há algumas cenas de luta ou movimento, é espetacular ver como o autor melhorou em tudo em apenas alguns contos.
A arte não está mais ”estática”, dá para ver o impacto dos objetos, a trajetória de algo que está em movimento no desenho, os ângulos escolhidos para exibir o máximo de detalhes possível são sensacionais. É um absurdo!
Outro ponto que vale destaque em relação aos desenhos é a evolução dos detalhes aplicados em cada personagem principal e secundário.
Lembra que eu elogiei as expressões faciais, olhares e as minúcias que o autor aplicava, principalmente, nos quadros que dão destaque à uma pessoa? Então, aqui ele consegue se superar de novo.
Acredito que este volume trabalha mais o horror e menos a tensão que, muitas vezes, é atrelada ao gênero de terror. Por isso, consegue ser tão competente ao criar o sentimento de repulsa no leitor, ao mesmo tempo que o mantém interessado na história – sem a precisar ficar criando um suspense recorrente.
Ainda existem muitas surpresas no virar de páginas, com aquelas cenas impactantes e desenhos que misturam o realismo visceral com a fantasia típica do autor.
Entretanto, a ideia não é mais criar aquela expectativa de que o leitor pode montar as peças do quebra-cabeças para desvendar o que vai acontecer. E isso faz sentido, porque é muito difícil imaginar o que vem pela frente nas histórias de Junji Ito.
Não adianta criar essa sensação no leitor se os mistérios sempre vão seguir com uma sucessão de reviravoltas imprevisíveis.
Depois de um tempo, essa dinâmica se tornaria frustrante. Mas o autor sabe disso e explora bem suas opções para tornar a história mais empolgante.
Porém, a necessidade de criar situações cada vez maiores, mais absurdas, faz com que algumas histórias percam aquela “magia” que nos deixava imersos na trama.
Ao inserir vários personagens em uma única situação, paramos de nos importar com quem vive e quem morre. Com a possibilidade de resolver todos os problemas com as soluções mais mirabolantes do mundo, você nem esquenta com o que vão fazer com a Tomie, porque, no final, ela vai ganhar.
Então, até a metade do mangá você não já liga para mais ninguém, nem mesmo para a Tomie, que vai se tornando arrogante, mimada e chata.
Não senti em nenhum momento que a leitura tenha se tornado maçante. Só não fiquei tão preso no roteiro quanto eu gostaria.
Existem certos enredos que conseguem capturar mais a sua atenção, como as histórias que envolvem as crianças “Tomies” ou quanto somos apresentados a um personagem que não é afetado pelos encantos da mulher.
Contudo, como são poucas as continuidades de narrativa, geralmente os desfechos são apressados para acontecerem ao final do capítulo.
Isso faz com que boas ideias não sejam tão exploradas, ficando mais do mesmo da metade para o final. A Tomie encanta os homens, eles a matam, ela volta e mata eles.
Esse queda de qualidade se dá ao fato de que a coleção da Asahi Sonorama compilou todos os contos envolvendo a personagem, incluindo o arco com as piores críticas da antologia Tomie – Tomie Again.
Edição
Acontece que, desde a sua publicação inicial, em 1987, a antologia de contos do Junji Ito já teve diversas versões em todo mundo. Além dessa da editora Asahi Sonorama, outra bem conhecida, principalmente pelas suas capas horrorosas, é a versão norte-americana da Dark Horse, lançada em dois volumes, em 2002.
Buscando reunir todos os contos da personagem em uma única coleção, a antologia da Dark Horse mesclou os 12 contos dos dois primeiros volumes aos capítulos do mangá lançado em 2001 pela editora ComicsOne, Tomie Again – ou Tomie: Part 3, como também é conhecido. Por sua vez, a editora japonesa manteve o mesmo formato na versão mais nova.
Essa obra foi a última que Junji Ito produziu para a personagem e, como suas habilidades já estavam bem evoluídas, acabou chamando a atenção pela complexidade dos traços e beleza dos desenhos. Contudo, isso não foi o bastante para conquistar os fãs que o classificaram como o pior volume da série.
Já que essas histórias acabaram sendo inseridas como parte da “coleção definitiva”, no segundo volume de Tomie, de modo geral, ele acabou ficando um pouco inferior ao primeiro.
Não chega a se tornar uma material ruim, longe disso. Apenas não é tão marcante.
Em resumo, Tomie; Volume 2 segue o mesmo modelo que a publicação anterior: material em capa cartão com sobrecapa e marca-páginas, encadernação em costura e PUR, 380 páginas, lista de personagens ao final da obra (inédita no mundo) e tradução da Drik Sada.
Custando R$64,90, o mangá pode ser adquirido na Amazon ou pelo site de alguns parceiros da Pipoca e Nanquim, como a Loja Monstra e Comix – que estão com um belo desconto, no momento em que escrevo a resenha.
Como eu disse lá no começo, acredito que Tomie foi a melhor maneira que Junji Ito poderia ter para ingressar no mundo dos mangás.
Com as histórias malucas e tramas inusitadas, o primeiro volume serviu para deixar claro seu potencial na criação de histórias de horror, o segundo, por sua vez, serviu como um atestado da sua competência como artista completo – tanto na escrita, quanto nos desenhos.
Se vale a pena a compra? Com certeza! Não é tão bom quanto o primeiro, na questão narrativa, mas é um mangá espetacular, com desenhos incríveis, como poucos que você vai encontrar.
Mas e você? Concorda com a minha análise da obra? Comenta aí sua opinião e vamos trocar uma ideia!